O problema do jogo de damas foi resolvido. O que significa isto? Simplesmente que existe agora um software que o joga na perfeição. Se o seu adversário, humano ou electrónico,
for igualmente infalível, o desfecho será irremediavelmente um empate
a Jonathan Schaeffer, informático da Universidade de Alberta, no Canadá, já andava nisto há 18 anos e meio: a desenvolver um programa de computador que fosse imbatível às damas. Uma tarefa dantesca, uma vez que exigia a análise dos cerca de 500 triliões (um cinco seguido de 20 zeros) de posições possíveis das 24 peças pretas e brancas no tabuleiro de 8 por 8.
Tudo começou em 1989, quando Schaeffer, que segundo um comunicado daquela universidade se autodefine como um "péssimo jogador de damas", decidiu ganhar com uma máquina o campeonato mundial da modalidade. Isto passava-se antes da era do Deep Blue da IBM e da sua espantosa carreira num jogo ainda mais complexo, o xadrez, que culminaria com a derrota do ultracampeão Garry Kasparov em 1997.
Voltando às damas: em 1994, o programa de Schaeffer, baptizado Chinook - é o nome de um vento quente e húmido que sopra no sul de Alberta -, ganhou o dito campeonato mundial de damas, tornando-se o primeiro software de sempre a vencer um humano num jogo. Uns anos mais tarde, porém, Schaeffer retirou o seu (ainda campeão) programa do tabuleiro da competição internacional. Seria preciso esperar por 2001 e por computadores muito mais potentes para que o cientista, que não tinha desistido do seu objectivo inicial - criar um programa imbatível -, retomasse o seu aperfeiçoamento.
Hoje, isso está feito - e a façanha, finalizada em Abril, recebeu não apenas as honras de uma publicação na revista Science, como também os elogios dos meios conhecedores. "É uma enorme proeza", disse David Levy, presidente da Associação Internacional de Jogos de Computador, ao jornalista da Science, Adrian Cho, num artigo que acompanha a publicação dos resultados. "É de longe o jogo mais complexo de sempre a ter sido resolvido."
Como é hábito nesta área, os investigadores utilizaram as técnicas da inteligência artificial para traduzir a maneira como uma série de "craques" das damas avaliavam as boas e más jogadas. Mas ao contrário do que se poderia pensar, não era essa perícia humana que queriam injectar directamente no Chinook; utilizaram-na apenas para construir "uma base de dados que "sabe" qual é a melhor jogada para qualquer situação do jogo", salienta o comunicado.
"Nos primórdios da inteligência artificial", explicam por seu lado os próprios investigadores na Science, "pensava-se que o caminho mais simples para aumentar o desempenho era imitar a abordagem humana dos problemas. [...] Só que as estratégias de tipo humano nem sempre são as melhores do ponto de vista computacional. Talvez o maior contributo da aplicação das técnicas da inteligência artificial ao desenvolvimento de software de jogos tenha sido a constatação de que uma abordagem de pesquisa intensiva ("força bruta") poderia produzir um desempenho de alta qualidade." Por outras palavras, em vez de os computadores tentarem imitar o cérebro humano, que é o campeão da inteligência, mais vale atacarem os problemas frontalmente, algo em que os computadores são de facto os campeões incontestáveis. Foi o que estes cientistas fizeram.
O processo demorou anos e envolveu em média cinquenta computadores - sendo que a dada altura, chegaram a ser 200, todos a funcionar em simultâneo, dia e noite. "Levámos o conhecimento utilizado nas aplicações de inteligência artificial até às suas últimas consequências, substituindo a heurística [regras intuitivas] que os humanos percebem pelo conhecimento perfeito", declara Schaeffer, que não esconde o seu orgulho. Resumindo: Chinook já não precisa de inteligência, seja ela artificial ou natural; tornou-se um poderoso motor de pesquisa que consegue indefectivelmente escolher a melhor jogada possível - e no pior dos casos, se tiver um adversário à sua altura, empatar. Para todos os efeitos, é imbatível.
Base com 237 gigabytes
Os cientistas começaram por construir uma base de dados com os valores dos desfechos (vitória, derrota, empate), para uma das cores e para cada um dos 39 mil milhões de posições do jogo a partir do momento em que estão presentes, no máximo, 10 peças de cada cor no tabuleiro. Isto foi suficiente para "resolver" o jogo na íntegra, com 12 peças de cada lado, uma vez que o número de peças em jogo se vê rapidamente reduzido para 10 ou menos logo nas primeiras jogadas. Mesmo assim, escrevem, a base de dados, que foi comprimida graças a um algoritmo especial, ocupa 237 gigabytes de disco. O que não impede o Chinook de extrair rapidamente a solução certa.
Para Murray Campbell, autor do Deep Blue da IBM também citado pelo jornalista da Science, o engenho dos seus autores foi sem dúvida um factor chave no sucesso de Chinook. "Não fossem muitas das ideias inteligentes por detrás do que fizeram, acho que a tecnologia por si só ainda teria demorado uns anos a resolver o jogo de damas."
O interesse do resultado não se limita ao jogo de damas. Pensa-se que este tipo de abordagem também possa servir para outras tarefas dantescas, como a tradução automática ou a leitura do ADN: "É de destacar que este trabalho já foi utilizado por uma empresa de bioinformática", escrevem Shaeffer e os seus colegas; "o acesso em tempo real a conjuntos de informação de enormes dimensões e a sua aplicação na pesquisa em paralelo são tão importantes para resolver um jogo como para os cálculos biológicos".
E concluem com o xadrez, esse Graal dos jogos de tabuleiro. Com um número ainda maior de posições possíveis (10 elevado à potência 40 a 50), "o xadrez permanecerá sem resolução durante ainda muito tempo, a menos que uma nova tecnologia venha a ser desenvolvida". Os mesmos especialistas (que há dias puseram frente a frente um jogador de poker humano e outro dos seus programas) dizem que dentro em breve talvez um outro jogo siga o mesmo caminho que as damas: o Othello (ou Reversi), cujas peças brancas e pretas, em vez de serem comidas e retiradas, mudam de cor (são viradas) segundo a cor das peças à sua volta no tabuleiro.
( Reportagem do Jornal " O Publico ")
Tudo começou em 1989, quando Schaeffer, que segundo um comunicado daquela universidade se autodefine como um "péssimo jogador de damas", decidiu ganhar com uma máquina o campeonato mundial da modalidade. Isto passava-se antes da era do Deep Blue da IBM e da sua espantosa carreira num jogo ainda mais complexo, o xadrez, que culminaria com a derrota do ultracampeão Garry Kasparov em 1997.
Voltando às damas: em 1994, o programa de Schaeffer, baptizado Chinook - é o nome de um vento quente e húmido que sopra no sul de Alberta -, ganhou o dito campeonato mundial de damas, tornando-se o primeiro software de sempre a vencer um humano num jogo. Uns anos mais tarde, porém, Schaeffer retirou o seu (ainda campeão) programa do tabuleiro da competição internacional. Seria preciso esperar por 2001 e por computadores muito mais potentes para que o cientista, que não tinha desistido do seu objectivo inicial - criar um programa imbatível -, retomasse o seu aperfeiçoamento.
Hoje, isso está feito - e a façanha, finalizada em Abril, recebeu não apenas as honras de uma publicação na revista Science, como também os elogios dos meios conhecedores. "É uma enorme proeza", disse David Levy, presidente da Associação Internacional de Jogos de Computador, ao jornalista da Science, Adrian Cho, num artigo que acompanha a publicação dos resultados. "É de longe o jogo mais complexo de sempre a ter sido resolvido."
Como é hábito nesta área, os investigadores utilizaram as técnicas da inteligência artificial para traduzir a maneira como uma série de "craques" das damas avaliavam as boas e más jogadas. Mas ao contrário do que se poderia pensar, não era essa perícia humana que queriam injectar directamente no Chinook; utilizaram-na apenas para construir "uma base de dados que "sabe" qual é a melhor jogada para qualquer situação do jogo", salienta o comunicado.
"Nos primórdios da inteligência artificial", explicam por seu lado os próprios investigadores na Science, "pensava-se que o caminho mais simples para aumentar o desempenho era imitar a abordagem humana dos problemas. [...] Só que as estratégias de tipo humano nem sempre são as melhores do ponto de vista computacional. Talvez o maior contributo da aplicação das técnicas da inteligência artificial ao desenvolvimento de software de jogos tenha sido a constatação de que uma abordagem de pesquisa intensiva ("força bruta") poderia produzir um desempenho de alta qualidade." Por outras palavras, em vez de os computadores tentarem imitar o cérebro humano, que é o campeão da inteligência, mais vale atacarem os problemas frontalmente, algo em que os computadores são de facto os campeões incontestáveis. Foi o que estes cientistas fizeram.
O processo demorou anos e envolveu em média cinquenta computadores - sendo que a dada altura, chegaram a ser 200, todos a funcionar em simultâneo, dia e noite. "Levámos o conhecimento utilizado nas aplicações de inteligência artificial até às suas últimas consequências, substituindo a heurística [regras intuitivas] que os humanos percebem pelo conhecimento perfeito", declara Schaeffer, que não esconde o seu orgulho. Resumindo: Chinook já não precisa de inteligência, seja ela artificial ou natural; tornou-se um poderoso motor de pesquisa que consegue indefectivelmente escolher a melhor jogada possível - e no pior dos casos, se tiver um adversário à sua altura, empatar. Para todos os efeitos, é imbatível.
Base com 237 gigabytes
Os cientistas começaram por construir uma base de dados com os valores dos desfechos (vitória, derrota, empate), para uma das cores e para cada um dos 39 mil milhões de posições do jogo a partir do momento em que estão presentes, no máximo, 10 peças de cada cor no tabuleiro. Isto foi suficiente para "resolver" o jogo na íntegra, com 12 peças de cada lado, uma vez que o número de peças em jogo se vê rapidamente reduzido para 10 ou menos logo nas primeiras jogadas. Mesmo assim, escrevem, a base de dados, que foi comprimida graças a um algoritmo especial, ocupa 237 gigabytes de disco. O que não impede o Chinook de extrair rapidamente a solução certa.
Para Murray Campbell, autor do Deep Blue da IBM também citado pelo jornalista da Science, o engenho dos seus autores foi sem dúvida um factor chave no sucesso de Chinook. "Não fossem muitas das ideias inteligentes por detrás do que fizeram, acho que a tecnologia por si só ainda teria demorado uns anos a resolver o jogo de damas."
O interesse do resultado não se limita ao jogo de damas. Pensa-se que este tipo de abordagem também possa servir para outras tarefas dantescas, como a tradução automática ou a leitura do ADN: "É de destacar que este trabalho já foi utilizado por uma empresa de bioinformática", escrevem Shaeffer e os seus colegas; "o acesso em tempo real a conjuntos de informação de enormes dimensões e a sua aplicação na pesquisa em paralelo são tão importantes para resolver um jogo como para os cálculos biológicos".
E concluem com o xadrez, esse Graal dos jogos de tabuleiro. Com um número ainda maior de posições possíveis (10 elevado à potência 40 a 50), "o xadrez permanecerá sem resolução durante ainda muito tempo, a menos que uma nova tecnologia venha a ser desenvolvida". Os mesmos especialistas (que há dias puseram frente a frente um jogador de poker humano e outro dos seus programas) dizem que dentro em breve talvez um outro jogo siga o mesmo caminho que as damas: o Othello (ou Reversi), cujas peças brancas e pretas, em vez de serem comidas e retiradas, mudam de cor (são viradas) segundo a cor das peças à sua volta no tabuleiro.
( Reportagem do Jornal " O Publico ")
Equipa da IBM que fez o programa de Damas Chinook
Teste já as suas capacidades Registe se online e jogue contra o programa através do site :
https://webdocs.cs.ualberta.ca/~chinook/play/
Teste já as suas capacidades Registe se online e jogue contra o programa através do site :
https://webdocs.cs.ualberta.ca/~chinook/play/
Existem imagens que valem por mil palavras
A Paixão do Jogo de Damas
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